Força-tarefa investiga mais sete desembargadores e um juiz
A operação Lava Jato no Rio entrou na sexta-feira (18) em novo patamar. Ao cumprir 12 mandados de busca e apreensão autorizados pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), a força-tarefa no estado começa a desbaratar o esquema de compra de decisões judiciais sustentado pela Federação das das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro (Fetranspor).
O primeiro alvo foi o desembargador Mário Guimarães Neto, afastado das funções após ser acusado de receber R$ 6 milhões do setor de ônibus em troca de uma sentença. Mas pelo menos duas colaborações premiadas em andamento ampliam o número de magistrados do Tribunal de Justiça do Rio envolvidos na caixinha da Fetranspor.
A colaboração de Lelis Teixeira, ex-executivo da Fetranspor, foi a base da primeira operação da força-tarefa da Lava-Jato no Rio focada no Judiciário fluminense. Homologada pelo ministro Felix Fischer, do STJ, a delação sustenta que o desembargador Mário Guimarães recebeu a propina, por meio de sua mulher, para impedir que uma ação civil movida em 2009 pelo Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) obrigasse a Prefeitura do Rio a licitar todas as linhas de ônibus da cidade, suspendendo as concessões vigentes. O esquema amplo, de acordo com as informações prestadas por dois outros delatores, envolvem mais sete desembargadores e um juiz.
As decisões supostamente compradas atenderam interesses da Fetranspor e de suas filiadas em assuntos como suspensão de licitações, aumento de tarifas, gestão do Riocard e isenções fiscais. Os efeitos das medidas, em sua maioria liminares, acabavam sempre pesando no bolso dos passageiros. As revelações de Lelis foram cruzadas com a delação do doleiro Álvaro Novis, operador da Fetranspor e de políticos fluminenses, para permitir à força-tarefa rastrear o caminho da propina.
‘Rei do ônibus’
O pagamento de propina a magistrados, em casos considerados importantes, era decidido por um conselho informal da Fetranspor, composto pelo então presidente da entidade, José Carlos Lavouras, e pelos empresários Jacob Barata, conhecido como “rei do ônibus”, e Marcelo Traça. Pelo menos outras duas pessoas da entidade conheciam o esquema: Lelis Teixeira e o advogado Enéas da Silva Bueno (diretor Financeiro do Sindicato das Empresas de Ônibus da Cidade do Rio de Janeiro, a Rio-Ônibus).
Na colaboração, com quase 40 anexos, Lelis alegou que não participava de negociação com os desembargadores. Apenas cumpria ordens, como executivo, embora discordasse de muitas delas. Ele disse, por exemplo, que não concordou com o pagamento de propina solicitada pelo ex-presidente do Tribunal de Contas do Estado (TCE) Jonas Lopes de Carvalho. Ele admitiu apenas que, durante a comemoração de um aniversário, em almoço, participou o acerto com O ex-presidente do Departamento de Transportes Rodoviários do Rio de Janeiro (Detro) Rogério Onofre.
Em troca da liberdade, Lelis concordou em dedicar uma hora por dia, nos próximos quatro anos, a trabalhos sociais a serem indicados pela Vara de Execuções Penais (VEP), além de se propor a colaborar com as autoridades no sentido de fechar os ralos de corrupção no setor de transportes públicos.
Perito pode ser intermediário
Autorizada a propina, após
saber-se que o magistrado estaria disposto a recebê-la, era emitida uma
ordem de pagamento ao doleiro Álvaro Novis, da Hoya. A etapa seguinte do
esquema desafia a investigação: como o dinheiro chegava às mãos dos
desembargadores? Um das hipóteses remete ao perito judicial Charles
Fonseca William, preso no ano passado. Ele foi acusado de receber da
caixinha da Fetranspor para superfaturar no cálculo de valores
reivindicados pelo setor de transporte em ações judiciais movidas contra
o poder público. Muitas dessas perícias foram acolhidas pelo pela
autoridade judiciária sem questionamento quando ao valor exagerado.
Na
linha de investigação que remete ao judiciário, duas pessoas já foram
presas pela força-tarefa. Charles William, acusado de lavar R$ 5,9
milhões em propina, e o promotor aposentado Flávio Bonazza. Ele foi
acusado de receber, entre 2014 e 2016, 22 pagamentos no valor de R$ 60
mil, para proteger os empresários do setor de transportes do Rio de
eventuais ações judiciais. De magistrados envolvidos no mesmo esquema, o
desembargador Mário Guimarães é o primeiro nome a despontar nas
investigações.
Embora a força-tarefa reconheça que o esquema da
Fetranspor contaminou uma pequena parcela do Judiciário, uma das
certezas já extraídas das investigações e dos depoimentos é de que a
caixinha dos ônibus alimentava a corrupção na segunda instância do
TJ-RJ, onde liminares obtidas junto aos desembargadores garantia os
interesses do setor.